segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Vassalo do Samba

Qual é o resultado da soma entre um dos maiores poetas da história da nossa música e um dos caras mais geniais da atualidade? É o disco "Ataulfo Alves por Itamar Assumpção - Pra Sempre Agora", lançado em 1996 pela Paradoxx Music. Aliás, só o título já mostra a que esse disco do inteligentíssimo Itamar Assumpção veio. É um dos trabalhos mais complexos que já ouvi em minha vida. Os arranjos conseguem não desvirtuar as maravilhosas melodias dos sambas de Ataulfo Alves. E o que impressiona é que são arranjos totalmente diferentes, intrincados, minuciosamente planejados, "quebrando tudo", com todas as típicas características da obra de Itamar, que invariavelmente soam estranhíssimas para os ouvidos dos chamados puristas (que de "puro" só têm o preconceito - não querem que o mundo gire nem evolua).

A banda "Isca de Polícia" (o nome de banda mais bacana que conheço), que acompanha Itamar nesse disco, tem uma sonoridade incrível, que vem da unidade desses músicos: vem da "cozinha" onde trabalham os 'chefs' Paulo Lepetit, no baixo (ele foi o técnico de gravação, e também responsável pela produção musical) e Gigante Brasil, na bateria. Vem das sensacionais e climáticas guitarras dos dois "Luízes": Luiz Waack e Luiz Chagas. Vem das teclas mágicas dos pianos e teclados de Ricardo Cristaldi, quase sempre num difícil primeiro plano. Vem do trombone de Itacyr Bocato, trombone com gosto de gafieira, que maravilhosamente faz a "ponte" com o antigo. Vem da percussão de Simone Soul, preenchendo todos os espaços. E vem das vozes cristalinas das afinadíssimas "pastoras" Tata Fernandes e Vange Milliet. Ainda há participações especiais de muita gente: a voz e o violão de Jards Macalé, os violões do Duo Fel, as vozes de Alzira Espíndola e Renata Mattar, o multi-instrumentista Tonho Penhasco, a maravilhosa banda feminina "Orquídeas do Brasil", que é um outro belíssimo projeto de Itamar, todos comungando a obra de Ataulfo Alves, e fazendo dela uma nova obra, com suas belas novas roupas.

Outro detalhe que impressiona é o encadeamento das canções, através de suas letras: Itamar consegue introduzir citações de versos que fazem parte da música seguinte em praticamente todas as canções, na maioria das vezes utilizando-se das límpidas vozes de suas "pastoras". A voz de Itamar é um capítulo à parte: sua recorrente utilização de três ou quatro vozes cantando levemente desencontradas, seu timbre grave contrastando com as vozes das "pastoras", o sentimento interpretativo em cada canção, as citações de outras músicas, tudo isso faz desse um disco de difícil digestão: realmente à frente do nosso tempo. Não é de se admirar que elaborar esse álbum tenha tomado quase três anos de trabalho de Itamar Assumpção (responsável pela idealização, concepção, direção artística e musical) e da banda Isca de Polícia (que, junto com Itamar, fez os arranjos).

E é sensacional o fechamento do álbum, com a música "Vassalo do Samba". Depois de passar por toda essa viagem de arranjos, Itamar mesmo se penitencia na última frase do álbum: "De vossa Majestade Ataulfo Alves, eu sou vassalo... pra sempre agora."

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