Qual é o resultado da soma entre um dos maiores poetas da história da nossa música e um dos caras mais geniais da atualidade? É o disco "Ataulfo Alves por Itamar Assumpção - Pra Sempre Agora", lançado em 1996 pela Paradoxx Music. Aliás, só o título já mostra a que esse disco do inteligentíssimo Itamar Assumpção veio. É um dos trabalhos mais complexos que já ouvi em minha vida. Os arranjos conseguem não desvirtuar as maravilhosas melodias dos sambas de Ataulfo Alves. E o que impressiona é que são arranjos totalmente diferentes, intrincados, minuciosamente planejados, "quebrando tudo", com todas as típicas características da obra de Itamar, que invariavelmente soam estranhíssimas para os ouvidos dos chamados puristas (que de "puro" só têm o preconceito - não querem que o mundo gire nem evolua).
A banda "Isca de Polícia" (o nome de banda mais bacana que conheço), que acompanha Itamar nesse disco, tem uma sonoridade incrível, que vem da unidade desses músicos: vem da "cozinha" onde trabalham os 'chefs' Paulo Lepetit, no baixo (ele foi o técnico de gravação, e também responsável pela produção musical) e Gigante Brasil, na bateria. Vem das sensacionais e climáticas guitarras dos dois "Luízes": Luiz Waack e Luiz Chagas. Vem das teclas mágicas dos pianos e teclados de Ricardo Cristaldi, quase sempre num difícil primeiro plano. Vem do trombone de Itacyr Bocato, trombone com gosto de gafieira, que maravilhosamente faz a "ponte" com o antigo. Vem da percussão de Simone Soul, preenchendo todos os espaços. E vem das vozes cristalinas das afinadíssimas "pastoras" Tata Fernandes e Vange Milliet. Ainda há participações especiais de muita gente: a voz e o violão de Jards Macalé, os violões do Duo Fel, as vozes de Alzira Espíndola e Renata Mattar, o multi-instrumentista Tonho Penhasco, a maravilhosa banda feminina "Orquídeas do Brasil", que é um outro belíssimo projeto de Itamar, todos comungando a obra de Ataulfo Alves, e fazendo dela uma nova obra, com suas belas novas roupas.
Outro detalhe que impressiona é o encadeamento das canções, através de suas letras: Itamar consegue introduzir citações de versos que fazem parte da música seguinte em praticamente todas as canções, na maioria das vezes utilizando-se das límpidas vozes de suas "pastoras". A voz de Itamar é um capítulo à parte: sua recorrente utilização de três ou quatro vozes cantando levemente desencontradas, seu timbre grave contrastando com as vozes das "pastoras", o sentimento interpretativo em cada canção, as citações de outras músicas, tudo isso faz desse um disco de difícil digestão: realmente à frente do nosso tempo. Não é de se admirar que elaborar esse álbum tenha tomado quase três anos de trabalho de Itamar Assumpção (responsável pela idealização, concepção, direção artística e musical) e da banda Isca de Polícia (que, junto com Itamar, fez os arranjos).
E é sensacional o fechamento do álbum, com a música "Vassalo do Samba". Depois de passar por toda essa viagem de arranjos, Itamar mesmo se penitencia na última frase do álbum: "De vossa Majestade Ataulfo Alves, eu sou vassalo... pra sempre agora."
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
domingo, 1 de fevereiro de 2009
Robert Johnson, o pai dos blues
Certos discos são impressionantes pela importância que atingem, o nível de influência que causam no resto do mundo da música. E um disco que não poderia ficar fora do meu primeiro time é o lendário disco de Robert Johnson, o único em toda a sua carreira. O disco data de 1936, e ainda é exaustivamente copiado por "blueseiros" de todo o mundo. São 29 músicas, que formam a Bíblia de qualquer apreciador do blues. Talvez seja o artista mais genial do blues, levando-se em conta a época da gravação do disco, e o nível criativo de suas canções. Isso sem falar no seu violão... sua técnica estava num patamar assustadoramente superior ao de seus contemporâneos. Isso foi motivo até para que surgisse a famosa lenda de que ele conseguia tocar assim por ter feito um pacto com o "tinhoso"... o que é pura balela, convenhamos. Mas serve para comprovar o quão à frente do seu tempo Robert Johnson estava.
Muita gente diz não gostar de blues por ser "tudo sempre igual" - e, em parte, a culpa disso são essas 29 obras-primas de Johnson, que serviram de "molde" melódico para quase tudo o que veio depois, até os dias de hoje - geralmente a estrutura da música é a mesma, apenas com uma outra letra.
Como explicar tal peso num artista que gravou apenas um disco em toda a sua carreira, em 1936? Como um disco que foi gravado a quase 70 anos atrás continua influenciando tantos artistas em todo o mundo? É certo que o blues é um estilo que "parou no tempo", concordo. Há pouca renovação criativa, e poucos artistas com vontade de fazer parte dessa renovação, tanto nas melodias quanto nas letras. Mas isso não diminui o valor desse disco, muito pelo contrário. Praticamente todas as gerações de músicos de blues (e até alguns de fora do gênero) já regravaram músicas de Johnson, ou utilizaram as criações dele como base melódica/criativa para as suas próprias composições.
Agora num lado mais pessoal: eu sempre acabo buscando quem foi o criador de cada coisa. É óbvio que é muito bom ouvir Marisa Monte e Eric Clapton, por exemplo. Mas eu prefiro ouvir Candeia, Cartola, Muddy Waters e Robert Johnson. Não sei explicar; acho que é mais ou menos como aquela brincadeira de criança, telefone-sem-fio: certamente a sua interpretação da frase dita vai mudar bastante depois de três ou quatro pares de ouvidos pelo meio do caminho. Então, malandramente, eu sempre tento me colocar como o segundo da fila - sempre vou tentar ouvir a frase do jeito que ela foi criada. Se o último da fila vai ter uma interpretação melhor, ou mais próxima do real que a minha, sinceramente eu não me importo: quero primeiro ter a minha própria impressão das coisas. E só então ouvir o que o último da fila tem a dizer... e decidir qual caminho seguir. Se isso é egoísmo? Não, acho que é só vontade de crescer e aprender.
Muita gente diz não gostar de blues por ser "tudo sempre igual" - e, em parte, a culpa disso são essas 29 obras-primas de Johnson, que serviram de "molde" melódico para quase tudo o que veio depois, até os dias de hoje - geralmente a estrutura da música é a mesma, apenas com uma outra letra.
Como explicar tal peso num artista que gravou apenas um disco em toda a sua carreira, em 1936? Como um disco que foi gravado a quase 70 anos atrás continua influenciando tantos artistas em todo o mundo? É certo que o blues é um estilo que "parou no tempo", concordo. Há pouca renovação criativa, e poucos artistas com vontade de fazer parte dessa renovação, tanto nas melodias quanto nas letras. Mas isso não diminui o valor desse disco, muito pelo contrário. Praticamente todas as gerações de músicos de blues (e até alguns de fora do gênero) já regravaram músicas de Johnson, ou utilizaram as criações dele como base melódica/criativa para as suas próprias composições.
Agora num lado mais pessoal: eu sempre acabo buscando quem foi o criador de cada coisa. É óbvio que é muito bom ouvir Marisa Monte e Eric Clapton, por exemplo. Mas eu prefiro ouvir Candeia, Cartola, Muddy Waters e Robert Johnson. Não sei explicar; acho que é mais ou menos como aquela brincadeira de criança, telefone-sem-fio: certamente a sua interpretação da frase dita vai mudar bastante depois de três ou quatro pares de ouvidos pelo meio do caminho. Então, malandramente, eu sempre tento me colocar como o segundo da fila - sempre vou tentar ouvir a frase do jeito que ela foi criada. Se o último da fila vai ter uma interpretação melhor, ou mais próxima do real que a minha, sinceramente eu não me importo: quero primeiro ter a minha própria impressão das coisas. E só então ouvir o que o último da fila tem a dizer... e decidir qual caminho seguir. Se isso é egoísmo? Não, acho que é só vontade de crescer e aprender.
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